Senna deixou um legado de pistas e ruas mais seguras

Em uma entrevista de dez anos atrás, o então presidente da Federação Internacional do Automóvel (FIA), Max Mosley, deixou claro: “Aquele final de semana em Ímola literalmente ajudou a mudar a segurança nas ruas. Sem dúvidas, salvou milhares de vidas”. Ao lado do então diretor-médico da FIA, Sid Watkins, Mosley levou a entidade a promover mudanças importantes.

“(Sem Ímola) nós nunca teríamos a Euro NCAP (o inovador sistema europeu de avaliação de novos veículos), ou os crash tests (batidas controladas para avaliação de segurança), não teríamos conseguido aprovar a legislação na Comissão Europeia, modernizando os padrões de segurança. Milhares de pessoas que estão aí, felizes, vivas, ou sem sequelas, estariam mortas a esta altura. E tudo começou com o acidente de Ayrton Senna”, completou, falando na época à agência Reuters, mas não esquecendo de incluir no episódio também a morte do austríaco Roland Ratzenberger, um dia antes, no treino classificatório.

Essa é uma visão talvez pouco difundida do legado de Ayrton Senna, cuja morte completa 30 anos amanhã (01/05). Ex-piloto da F-1 na década de 70, o brasileiro Alex Dias Ribeiro reconhece esse como um dos principais fatos resultantes da tragédia que parou o Brasil naquele domingo: “Depois de sua morte, imediatamente a FIA criou a Comissão de Segurança, que impôs mudanças nas estruturas dos carros, das pistas e no atendimento médico. Ayrton venceu. Venceu por quê? Porque vinte anos se passaram depois de sua morte sem que morresse um só piloto na Fórmula 1. Essa é a vitória que ele estava buscando”, conclui Ribeiro.

Reação na família

Outra dimensão do legado de Senna é a marca deixada não pelo que aconteceu em 1994 em Ímola, mas pela forma como os brasileiros enxergavam as façanhas de seu herói. Destaque no Rally Dakar, Lucas Moraes foi impactado pela reação de sua família. “Achei em um armário da minha mãe uma pilha grande de fitas VHS. Comecei a assistir. Eram programas de TV e homenagens que Senna recebeu durante aquela fatídica semana. Aquilo me marcou muito”, conta ele. “Se cada um de nossos atletas fizesse 0,1% do que ele fez para o nosso país, seria incrível”, completa.

Essa é também a impressão de Felipe Massa, ex-piloto da Ferrari na F-1. “Quando estava ainda começando minha carreira, todas as categorias na Europa tinham um piloto brasileiro disputando vitórias.Todos queriam chegar à F-1. Percebi esse respeito por nós quando cheguei lá, e acredito que essa tenha sido outra grande marca deixada por Senna”, lembra ele. “A maior mensagem deixada por ele para o Brasil como um todo foi a importância da dedicação, do trabalho incessante, da motivação e da vontade de vencer. Ele foi, sem dúvida, um dos pilotos mais dedicados que já vi”, opina Massa.

“Meus pais fizeram muita questão de inserir o Senna na minha vida como referência e eu sempre tive ele como inspiração, crescendo não só como piloto, mas como pessoa também”, diz Nicolas Costa, atual piloto da ex-equipe de Senna, a McLaren, no Mundial de Endurance, com apoio da petroleira brasileira PRIO.

“Quando fui à McLaren pela primeira vez, vi o carro dele exposto. Foi uma emoção gigantesca. Tive uma reação quase que automática: ajoelhei em frente ao carro. Foi talvez a primeira real perspectiva do que eu estava conquistando: ia correr pela equipe que eu sempre admirei”, destaca Nicolas Costa, lembrando que a McLaren foi a principal equipe na trajetória do tricampeão. Costa, aliás, há dez dias disputou a etapa do Mundial de Endurance justamente em Ímola. Para marcar a data, usou um capacete pintado nas cores de Senna.

O campeão mundial de Fórmula E, Lucas Di Grassi, tinha nove anos em 1994. “Eu era pequeno, mas vi na TV e em casa como as pessoas ficaram tristes e com o tempo procurei entender o que significava aquilo”, conta ele. “Mais tarde, com a ingenuidade de quem ainda era muito jovem, eu decidi que queria ser igual ao Senna, porque ele foi importante para tanta gente, como as reações me mostraram naquela época. Isso logicamente me marcou e hoje eu trabalho para que o nosso esporte seja de alguma forma transformador na vida das pessoas, focando no bem-estar, na segurança e na preservação do meio-ambiente”, resume Lucas, que por seu trabalho na promoção de tecnologias mais “limpas” tornou-se embaixador da ONU para causas ambientais.

Principal nome brasileiro na motovelocidade mundial, Eric Granado diz que seus pais também tiveram influência em sua admiração por Ayrton Senna. “Eu nasci em 1996, então ele já tinha nos deixado. Meus pais me contaram a história do Ayrton. Eu quis saber mais: como ele cresceu, como evoluiu e se tornou a lenda que é hoje em dia. Comecei a ver vídeos, documentários, li muito. Não importa se é sobre quatro ou duas rodas, ou se é em outro esporte, Senna é a grande referência no esporte mundial”, opina. “Neste ano, fiz uma homenagem com uma pintura especial no capacete, para levar Senna comigo em todas as corridas que eu fizer”, revela Granado.

Momento chocante

Maior campeão da Stock Car, Ingo Hoffmann também foi impactado fortemente pela perda de Ayrton e por isso lembra em detalhes do dia 1º de maio de 1994. “Eu estava disputando um campeonato em Brasília. A notícia do acidente veio de manhã cedo durante o treino de aquecimento. Todo mundo ficou muito ansioso e esperançoso de que o pior não tivesse acontecido. Quando veio a notícia do falecimento dele, a corrida não aconteceu. Fizemos uma volta em homenagem e retornamos ao box. Foi um momento extremamente chocante para todos nós”, recorda.

Já para Augusto Farfus, outro brasileiro que disputa o Mundial de Endurance, um dia de rotina no kartódromo se tornou uma dolorida memória de infância. “Eu era muito pequeno. Mas cresci assistindo e comemorando as vitórias dele. Naquele 1º de maio, eu estava treinando em um kartódromo de Florianópolis. Estava com o Nelson Piquet e o Nelsinho. Assistimos ao acidente ao vivo. Foi um choque muito grande. Na hora, entendemos a gravidade. Durante a noite veio a confirmação do falecimento do Ayrton Senna”, conta Farfus. “Ele foi meu grande ídolo. Senna certamente continua vivo em nossos corações”, completa.

Passadas três décadas da tragédia, boa parte da geração nascida nos anos 2000 e que agora inicia a fase profissional no automobilismo também tem Senna como referência. É o caso de Zezinho Muggiati, mais novo piloto do grid da Stock Car. ”Sempre levo comigo uma homenagem a ele no design do meu capacete. E ainda que eu não o tenha visto pilotar, Senna é muito importante na minha carreira. Sou muito dedicado ao que faço, tudo para ter os melhores resultados na pista. E acredito que essa dedicação era o que o Ayrton tinha de sobra, é o que ele tentava ensinar para todos. Essa mensagem, da dedicação total, para mim, é muito importante e faz diferença toda vez que vou para a pista”, completa o jovem Muggiati, de 20 anos.