Por Jorge Meditsch
Site Auto Estrada
30 anos de um feito histórico: em 28 de maio de 1989, Emerson Fittipaldi venceu a 500 Milhas de Indianápolis pela primeira vez. Foi uma vitória carregada de emoção: além do espetacular final da corrida, decidida num toque que mandou o americano Al Unser Jr. para o muro a três voltas da bandeirada, marcou o início de uma nova fase na carreira do bicampeão mundial de Fórmula 1 e também para a própria Fórmula Indy, que entraria em seguida num rápido processo de internacionalização.
Eu assisti à vitória de Emerson da curva 1 de Indianápolis. Além da equipe da TV Bandeirantes, que transmitia a prova, era o único jornalista brasileiro presente na pista. Na semana seguinte, no humilde oval de Milwaukee, começaram a chegar colegas de alguns dos principais jornais do país, no vácuo da notícia.
A Indy 500 pode ser considerada, sem exageros, uma das maiores corridas do mundo. Como a 24 Horas de Le Mans, ela tem uma importância maior do que o campeonato do qual faz parte. Ser campeão de Indianápolis é mais do que vencer o campeonato inteiro da Fórmula Indy. O vencedor das 500 Milhas é instantaneamente transformado em celebridade nos Estados Unidos e reconhecido internacionalmente.
Fittipaldi chegou aos Estados Unidos para correr em 1985 e, desde 1986 estava competindo pela Patrick Racing, uma das grandes equipes da categoria. Ele havia conquistado algumas vitórias e, no final de 1988, com o apoio da Marlboro, sua patrocinadora, conseguiu negociar um acordo com Roger Penske para usar o exclusivo carro de sua equipe no ano seguinte. Tudo indica que a cessão do Penske PC 18 tinha por trás a transferência de Emerson para a Penske, levando junto o apoio financeiro da fabricante de cigarros.
Missão secreta: fotografar os carros da Penske
O novo carro foi decisivo para a conquista, mas era preciso vencer a Penske na pista. Nas longas três semanas de treinos que na época precediam a corrida, a equipe fabricante do carro de Emerson continuou o desenvolvimento com pequenas mudanças aerodinâmicas testadas a cada sessão. Um dia, Jim McGee, chefe de equipe de Fittipaldi, me pediu, em segredo, para fotografar esses pequenos detalhes nas paradas nos boxes dos carros da Penske. Ele disse que não queria usar um fotógrafo americano, pois todos eram conhecidos e chamaria muito a atenção. Foi assim que, como ‘espião’ informal, acabei colaborando de alguma forma com a vitória do brasileiro. Além de discreto, era preciso ser rápido, já que assim que os carros paravam, a equipe cobria imediatamente as asas dianteira e traseira, constantemente modificadas. No final de cada dia, eu passava as fotos para o engenheiro da Patrick Racing.
Emerson ficou com o terceiro tempo na classificação, largando do lado externo da primeira fila (em Indianápolis, são 11 filas com três carros cada). Conhecido como estrategista, naquele dia ele parecia outro: saltou para a liderança na primeira curva e ficou na ponta a maior parte da corrida. Parecia imbatível até cerca de 10 voltas do final, quando Al Unser Jr. conseguiu ultrapassá-lo. Pouca gente sabe, mas na última parada nos boxes, o dono da equipe, Pat Patrick, mandou encher o tanque completamente, quando alguns poucos litros seriam suficientes. Numa disputa de centésimos de segundo, o peso extra cobrou seu preço.
Sem desistir, apesar de ter o carro um pouco menos rápido, Emerson conseguiu emparelhar com Unser a três voltas do fim, entrando na curva 3, que antecede a reta dos boxes, pelo lado de dentro. Os dois carros se tocaram, o americano rodou e bateu no muro. O carro de Emerson ficou atravessado, mas ele conseguiu corrigir a derrapagem e terminou a prova sob bandeira amarela, duas voltas depois.
Acompanhei essas voltas finais da beira da pista, sem ver a cena do acidente, ouvindo a narração pelos alto-falantes da pista. Foi literalmente de arrepiar. Ao mesmo tempo, outro brasileiro, Raul Boesel, escalava posições uma a uma e terminou em terceiro – se Emerson também tivesse batido, poderia ter vencido.
Emerson foi o primeiro vencedor de Indianápolis a ganhar mais de um milhão de dólares em prêmios. A foto em que ele aparece com o dinheiro foi feita na terça-feira seguinte pela manhã e, ao contrário da tradicional pose do vencedor com o troféu, feita na segunda-feira cedo, com quase uma centena de fotógrafos, foi restrita a cerca de uns dez – entre eles eu. Possivelmente seja minha foto de automobilismo mais famosa. O dinheiro era real, foi levado num carro forte do banco, com escolta de policiais armados.
Tão importante como para Emerson, a Indy 500 de 1989 foi decisiva na minha carreira. Eu havia apostado nele desde 1986, quando fui cobrir a Indy por conta própria. Muita gente me aconselhou a não perder tempo, dizendo que Fittipaldi estava acabado para o automobilismo. Em 89, estava lá contratado pela revista Grid, da Editora Abril. A Grid fechou no final do campeonato, mas nos anos seguintes continuei nos Estados Unidos como correspondente da Agência Estado baseado em Miami, até retornar para o Brasil no final de 1994.
Uma narrativa emocionada do próprio Emerson sobre o campeonato de 1989 e sua vitória está no livro A Arte de Pilotar. A edição, da editora L&PM, está esgotada, mas é possível achar na Internet. O capítulo final foi compilado por mim, a partir de seu depoimento. O livro, que traduzi em 1990, é de co-autoria do jornalista inglês Gordon Kirby.